Psicodélica


Breve Historinha
julho 13, 2009, 1:04 am
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Entrou no estúdio com o namorado. Ele era moreno, alto, de feições fortes. Achava-o bonito e tinha um certo orgulho disso. Exibia fotos dele para as amigas e enchia o peito de orgulho visceral quando bons comentários sobre ele chegavam-lhe ao ouvido. Com a mesma energia, combatia todas as críticas que ouvia.

A coisa da música já lhe era mais estranha. Não que achasse ruim ele saber tocar todos aqueles instrumentos – que independente da função ou forma, chamava de “violão” para todos os de corda e de “tambor” para os percussivos – mesmo porque foi assim que lhe havia conquistado: Um violão numa praia qualquer, com uma música que ela não lembrava mais.

Nunca viria a perceber que na verdade era um pequeno banjo que ele estava tocando naquele dia. “-Bonito violão”, ela tinha dito pra ele daquela vez. C’est la vie.

Mas muitas vezes sentia que a música era sua rival, ao invés de uma qualidade dele. Pensava nas horas que ele passava ensaiando, tocando ou simplesmente sentado cantarolando alguma besteira, e pensamentos amargos lhe atravessavam a mente: “Bem que ele podia tirar esse tempo para passear comigo no shopping, sair comigo… mas fica tocando esse tambor o dia todo. E a mão dele agora vive cheia de calos…”. E assim por diante.

Agora não pensava nisso. Estava o acompanhando na gravação do CD da banda dele. Não sabia direito qual era o estilo da banda, mas isso era o de menos. Tanto fazia se eles tocassem uma zurca ou death metal. A única coisa que ela sabia é que seria lançado nacionalmente e achava aquilo tudo muito promissor. Suas amigas iriam achar aquilo tudo belíssimo.

E podiam ir pro inferno se não gostassem.

Olhou para ele através do vidro que separava a câmara acústica da sala de edição, onde ela estava agora, e seus olhares se encontraram. Naquele mero olhar, soube de cara: estava completamente apaixonado por ela. “Ninguém olha para outra pessoa com esse olhar e não está apaixonado”. E, da parte dela, logo estaria perdidamente apaixonada também.

“Ou pelo menos vou aparecer assim nas fotos da ‘Caras'”, pensou entretida, olhando o namorado arrumar vários “violões” e “tambores”, plugando neles umas “cordinhas” que ela não fazia idéia do que eram.

***

Gostava daquela menina, mas se irritava um pouco com a aquela insistência dela em chamar o contrabaixo de violão. Mas isso não o incomodava tanto quanto aquele pedaço do seu próprio cabelo, que agora era um tufo rebelde caindo na sua testa. “Cabelo liso tem dessas coisas”, dizia.”Qualquer ventinho e ele fica todo assim…”.

“Qual era mesmo o nome dela…?”

Olhou para o espelho falso da câmara acústica e ajeitou o cabelo. Achava que tinha sorte de não poder ver a sala de edição porque odiava dar de encontro com alguém olhando-lhe. Perderia toda a concentração e estragaria seu dia. Ainda mais um olhar dela, que ele achava já ser meio vesga. C’est la vie.

Ficou parado olhando para seu rosto próprio por um momento. Eram dias e dias, e naquele especificamente, o seu queixo lhe parecia adequado à cara fina e alongada, o nariz saliente decorado por seus dois olhos castanhos. Parecia tudo encaixado naquele dia. Tudo parecia muito lindo. Muito perfeito.

Estava, de verdade, perdido de amor por si próprio. E não teve vergonha disso.